06/08/2020
por Maria Isabel de Oliveira (Psicanalista)
e Bárbara Conway (Psicóloga)

O interesse por compreender mais a fundo a fibromialgia cresceu muito nos últimos anos e junto com ele a discordância entre profissionais acerca de suas especificidades. A definição, patogênese, diagnóstico e tratamento do transtorno ainda são muito debatidos e geram discordância tanto no meio clínico quanto no meio acadêmico.

A fibromialgia é caracterizada como um transtorno complexo e heterogêneo, e, como veremos, repleto de controvérsias, mitos e verdades. O que está bem estabelecido é a íntima relação entre a fibromialgia e problemas de sono. Atualmente se sabe que a queixa de sono não reparador é um dos sintomas mais comuns em pacientes com fibromialgia e por isso se tornou um dos novos critérios diagnósticos.


Fibromialgia: desenho de pessoa com dor.

Difícil saber por onde começar: a fibromialgia leva a um sono de má qualidade ou é a consequência dele? 

Caracterizada por dor crônica generalizada, aumento da sensibilidade a dor, sono não reparador, fadiga, dificuldades cognitivas e depressão como um sintoma menor, estima-se que a fibromialgia atinge até 6% da população. Não se sentir descansado ao acordar é um dos critérios diagnósticos que caracterizam a fibromialgia. Na revisão do Código Internacional de Doenças (CID-11) que será lançado em 2022, a fibromialgia será classificada como dor primária crônica e definida como dor em uma ou mais regiões anatômicas que persistem durante mais de 3 meses e está associada ao significativo sofrimento emocional ou incapacidade funcional significativa e não pode ser melhor explicada por outra condição de dor crônica. 

Além da queixa de um sono não reparador, estima-se que cerca de 50% das pessoas que sofrem de fibromialgia também sofrem de insônia (White, 1999; Theadom, 2007). Estudos científicos demonstram, através de exames de polissonografia, que pacientes com fibromialgia têm maior latência para início de sono, ciclos de sono curtos com muitos despertares longos durante a noite (Wu, 2017). Acredita-se que isso se dá pela intrusão de ondas Alfa que acaba alterando o papel do sono de ondas lentas (N3), levando a um aumento dos limiares de dor com dores musculares difusas e fadiga. No entanto, os dados ainda são inconsistentes para sustentar a justificativa.

Está bem estabelecido que a relação entre sono e dor é bidirecional, sendo assim, sono de baixa qualidade pode ser um fator de risco para o desencadeamento da fibromialgia, assim como, a melhora na qualidade do sono pode amenizar as dores características da fibromialgia. Desta forma, fica clara a importância de tratar o sono do paciente com fibromialgia. 

Não se pode ignorar o modelo biopsicossocial da fibromialgia, composto por fatores biológicos (predisposição genética) e fatores psicossociais (por exemplo, estresse) que contribuem para a predisposição, desencadeamento e perpetuação dos sintomas da fibromialgia. Nesse contexto, fica claro que o tratamento deverá ser multidisciplinar, da importância das terapias não farmacológicas, da prática de exercício físico, sendo que aeróbico tem forte recomendação pela liga Europeia Contra o Reumatismo (EULAR). Desta forma, é preciso reconhecer e incluir o papel dos fatores psicológicos na etiologia e manejo da fibromialgia. Vale ressaltar a importância de ensinar aos pacientes estratégias de “autogestão” visando ajuda-los a ficar cada vez mais seguros e independentes.

Estudos demonstraram que o tratamento medicamentoso com duloxetina, milnaciprano e pregabalina não são completamente satisfatórios. A maioria dos participantes da pesquisa não experimentou alívio relevante na dor e/ou encerrou o tratamento devido aos efeitos colaterais (Cording, 2015; Derry, 2016). Outras evidências indicam que apenas a pregabalina teve um efeito clinicamente significativo nos problemas de sono e que a superioridade dessas três substâncias quando comparadas ao placebo sobre melhora na dor ou fadiga não foi clinicamente significativa (Häuser, 2013; Üçeyler, 2013).

Um estudo (McCrae, 2019) que utilizou a terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I) e a terapia cognitivo-comportamental para dor (TCC-D) observou resultados positivos em relação a eficácia desses tratamentos não farmacológicos, com redução na latência para início do sono e nos despertares noturnos, elevando a eficiência do sono; sendo que a TCC-I ainda se mostrou mais efetiva do que a TCC-D, e com efeito mantidos após 6 meses de tratamento. Quando comparados ao grupo controle, tanto a TCC-I quanto a TCC-D provocaram reduções clinicamente significativas e imediatas da dor em um terço dos pacientes e os em TCC-I mantiveram a melhora depois de 6 meses.

Em suma, pode-se dizer que as diretrizes interdisciplinares baseadas em evidências recomendam fortemente a prática de exercícios físicos aeróbicos e terapias cognitivo comportamentais (incluindo a TCC-I) para os sintomas da fibromialgia e trazem a opção do tratamento farmacológico como não-obrigatório.


  1. McCrae CS, Williams J, Roditi D, et al. Cognitive behavioral treatments for insomnia and pain in adults with comorbid chronic insomnia and fibromyalgia: clinical outcomes from the SPIN randomized controlled trial. Sleep. 2019;42(3):zsy234. doi:10.1093/sleep/zsy234
  2. Häuser W, Fitzcharles MA. Facts and myths pertaining to fibromyalgia. Dialogues Clin Neurosci. 2018;20(1):53-62.
  3. Wu YL, Chang LY, Lee HC, Fang SC, Tsai PS. Sleep disturbances in fibromyalgia: A meta-analysis of case-control studies. J Psychosom Res. 2017;96:89-97. doi:10.1016/j.jpsychores.2017.03.011
  4. Theadom A, et al. . Exploring the role of sleep and coping in quality of life in fibromyalgia. J Psychosom Res. 2007;62(2):145–151. 
  5. White KP, et al. . The London Fibromyalgia Epidemiology study: comparing the demographic and clinical characteristics in 100 random community cases of fibromyalgia versus controls. J Rheumatol. 1999;26(7):1577–1585. 
  6. Serotonin and noradrenaline reuptake inhibitors (SNRIs) for fibromyalgia syndrome. Häuser W, Urrútia G, Tort S, Uçeyler N, Walitt B. Cochrane Database Syst Rev. 2013 Jan 31; (1):CD010292.
  7. Derry S., Cording M., Wiffen PJ., Law S., Phillips T., Moore RA. Pregabalin for pain in fibromyalgia in adults. Cochrane Database Syst Rev. CD011790. 2016;9.
  8. Cording M., Derry S., Phillips T., Moore RA., Wiffen PJ. Milnacipran for pain in fibromyalgia in adults. Cochrane Database Syst Rev. CD008244. doi:10.1002/14651858.CD008244.pub3. 2015;(10).
  9. Üçeyler N., Sommer C., Walitt B., Häuser W. Anticonvulsants for fibromyalgia. Cochrane Database Syst Rev. CD010782. doi:10.1002/14651858.CD010782. 2013;(10).

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