12/11/2020
por Pedro de Sordi Soltau e Silvia Gonçalves Conway
A Terapia Cognitivo-Comportamental aplicada a insônia (TCC-I) é considerada o padrão ouro para o tratamento da insônia crônica. Seu foco está voltado aos fatores perpetuadores da insônia, ou seja, os comportamentos desfavoráveis ao bom sono e as crenças errôneas sobre sono e o processo de adormecer. As estratégias da TCC-I visam intervir sobre esses fatores e provocar fisiologicamente a retomada de um padrão de sono de qualidade. Contudo, alguns pacientes não respondem adequadamente a TCC-I, apontando para a necessidade de estratégias auxiliares.
A discussão sobre fenótipos da insônia e os perfis de personalidade mais associados ao perfil insone tem ganhado destaque na tentativa de identificar intervenções mais adequadas a cada perfil de paciente. Em paralelo, outras abordagens psicológicas tem demonstrado eficácia através de metodologia científica na intervenção da insônia, com destaque para a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) e as práticas de Mindfulness.
A abordagem da ACT tem como objetivo aumentar a disposição para experimentar o desconforto fisiológico e psicológico associado às situações consideradas aversivas. No âmbito da insônia, pode-se exemplificar com o desconforto e tensão associados a vigília que acontece no período em que a pessoa avalia que deveria estar dormindo. A ACT propõe o desenvolvimento de uma atitude de encarar o desconforto sem julgamento, que promove aceitação e diminui a excitação fisiológica associada a resistência ao evento aversivo.
E por que isso é importante? Como isso funciona?
Se uma pessoa mostra dificuldades em se desconectar das preocupações cotidianas e de interromper o fluxo de informações mentais, mantendo um estado de mente ativa e agitada, terá redução na habilidade para lidar com situações adversas de modo satisfatório e resolutivo. No caso do sono, a resistência em aceitar a vigília durante o período que se pretende dormir ou que se considera que deveria estar dormindo, gera pensamentos de observação do sono, julgamentos de censura sobre si mesmo e controle exagerado sobre atitudes que avalia poderem favorecer ou desfavorecer o sono. Esses pensamentos e comportamentos promovem a ativação autonômica, que por sua vez, reforça o estado de hiperativação mental, mantendo o comportamento ruminante, de controle e de expectativas negativas sobre o sono e suas consequências.
Esse ciclo interfere na capacidade natural de iniciar ou manter o sono, e até de propiciar um sono restaurador. A dificuldade em desativá-lo cronifica o quadro da insônia, aumentando o sofrimento. O acionamento dos variados comportamentos inadequados são resultado dessa angústia e também do aprisionamento num processo de funcionamento mental pouco flexível. Eles visam controlar o sono ou suprimir forçadamente os pensamentos do momento. Porém, ambas estratégias resultam em fracasso, intensificando a frustração, a ansiedade, as estratégias de controle, incluindo os pensamentos que se tentou suprimir.
Como dormir imerso em uma atmosfera mental de preocupação e vigilância?
O sono é um estado de entrega dependente de quietude interna, silêncio mental e relaxamento. Sob essas condições, o processo homeostático e o ritmo circadiano encontram caminho livre para seu exercício e expressão.
As dificuldades em adormecer ou retomar o sono características da insônia são também resultado da resistência em abrir mão desse controle mental, que depende, se apóia e mantém a condição da vigília. É nesse contexto que a técnica de controle de estímulos da TCC-I sugere o uso da sala com atividades relaxantes enquanto não se sente sono. Uma forma de desviar a atenção sobre o sono ou a falta dele. Aceitar a condição de vigília e parar de repudiá-la ou censurá-la.
O princípio da ACT de desenvolver a habilidade de aceitar aquilo que é, como é, sem resistência permite aprofundar essa atitude e quebrar esse ciclo vicioso de resistência. A aceitação dos pensamentos e sentimentos presentes durante a noite levará a um sono de melhor qualidade, pois encoraja um estado de repouso ao invés de um engajamento conflituoso e negativo com aquele conteúdo e, assim, pode-se desativar a aceleração mental e reduzir a ativação autonômica.
A ACT faz uso de técnicas de mindfulness (também conhecido como atenção plena) para auxiliar no desenvolvimento da habilidade de auto-observação neutra sobre os padrões de pensamento e comportamento. A observação desapegada permite a identificação do padrão de funcionamento mental, promove maior autoconsciência, favorece o discernimento e promove um estado interno de maior serenidade, quietude e relaxamento.
O desenvolvimento do comportamento de atenção plena favorece o cultivo da consciência intencional no momento presente, a compaixão, inclusive consigo mesmo, e o desapego dos resultados, ou seja, a aceitação do fenômeno que se manifesta e se expressa no presente. A resultante dessa habilidade é o aumento da disposição para lidar com as situações que se apresentam, maior percepção dos fatores envolvidos, e portanto, maior repertório para agir de forma acurada e apropriada. Esta condição minimiza as respostas reativas, baseadas em comportamentos automatizados, repertório limitado e irrefletidas, promovendo maior bem-estar físico e mental, sensação de plenitude e alívio do sofrimento.
A prática de Mindfulness favorece o acesso à compreensão de que o sentimento presente ou a condição/estado atual não corresponde à totalidade do ser, apenas a experiência de uma faceta ou uma condição temporária e transitória. Ao permitir a desidentificação com o estado temporário, a prática de mindfulness convida a abandonar o modelo de pensamento e comportamento orientados para resultados de alívio do estresse e introduz a arte da auto-observação, orientada para o olhar distanciado do processo ou estado que se manifesta na experiência interna (por ex. “observo que ESTOU estressado” ao invés de “SOU estressado”). Trata-se de um novo posicionamento frente a vida, que dissolve a noção de identidade com um estado temporário como o promovido por uma emoção ou sentimento, dissolvendo as bases do estresse e permitindo uma melhor regulação mental e emocional.
A prática de Mindfulness pode ser realizada por qualquer pessoa. Existem diversas técnicas e abordagens disponíveis, incluindo aplicativos para guiar a experiência de atenção plena. Vale ressaltar que essa técnica não deve ser usada como
antídoto da insônia ou indutor do sono. Antes disso, visa desativar o controle de operação mental e comportamental que resiste o “fluir com a vida”. Portanto, não se trata de um método para “dormir mais rápido”, mas uma técnica que auxilia a desativação do modus operandi que promove desequilíbrio interno e sofrimento existencial.
Na perspectiva da Psicologia do Sono, a melhor abordagem de intervenção não farmacológica da insônia é aquela que favorece o manejo de intervenção psicológica mais adequada ao perfil e às necessidades do paciente. Somente um psicólogo do sono é capaz de identificar os padrões psicodinâmicos do paciente com insônia e adequar as ferramentas de manejo auxiliares da psicologia para favorecer a adesão às estratégias da TCC-I e criar condições para a dissolução do ciclo vicioso e condicionado da insônia, favorecendo o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento mais saudáveis, que aumentam a resiliência, diminuem o estresse emocional e previnem recaídas.
- Baik, K.D. (2015). Evaluating Acceptance and Commitment Therapy for Insomnia: A Randomized Controlled Trial.
- Lundh, L.-G. (2005). The Role of Acceptance and Mindfulness in the Treatment of Insomnia. Journal of Cognitive Psychotherapy, 19(1), 29–39.
- Ong JC, Ulmer CS, Manber R. Improving sleep with mindfulness and acceptance: a metacognitive model of insomnia. Behav Res Ther. 2012 Nov;50(11):651-60.
- Meadows. G. Acceptance and Commitment Therapy for Insomnia (ACT-I). ACBS.