03/12/2020
por Maria Isabel de Oliveira
Psicanalista
Sócia Fundadora da AkasA Formação & Conhecimento

A clínica psicológica é recheada de sintomas de angústia que muitas vezes culminam em sintomas físicos e emocionais. A insônia é um exemplo clássico disso. Perder o sono numa noite que antecede um compromisso importante ou após ter vivido uma situação de difícil “digestão” é lugar comum na nossa própria vida ou na vida de pessoas que conhecemos. Há quem perca noites de sono sucessivamente, nutrindo um segundo tipo de sofrimento psíquico: a dificuldade de usufruir de uma necessidade fisiológica de forma plena e revigorante. Esse tipo de situação gera um círculo vicioso a ponto de a pessoa perder a referência do que começou primeiro, considerando muitas vezes que o problema dela é a insônia e não mais a sua causa de fundo emocional. Esse descolamento do fator causal inibe a pessoa de procurar por ajuda terapêutica no segmento da psicologia. Mas, mesmo entre aqueles que se mantêm conectados aos fatores de angústia causais, a clínica psicoterápica é limitada para auxiliar a recuperação total do padrão de insônia. 

Isso acontece porque a insônia, inicialmente apenas uma manifestação sintomática, com o decorrer do tempo, a medida que se torna recorrente, começa a desenvolver uma vida própria. Isto é, a pessoa começa a desenvolver medos e ansiedades associados à noite e ao sono e crenças sobre o processo de dormir, desenvolvendo comportamentos em vigília e durante o sono que prejudicam sua recuperação e consolidam a insônia. Esses comportamentos são efeito da tentativa de reparar as consequências prejudiciais de uma noite mal dormida, assim como são fruto de uma tentativa de manter o controle sobre o processo de dormir. Assim, de um quadro inicialmente sintomático, a pessoa passa a desenvolver um distúrbio do sono que se auto alimenta. 

Nesse sentido, o auxílio psicológico focado exclusivamente nos fatores causais encontra a barreira do reconhecimento da origem do problema por parte daquele que sofre de insônia e a barreira criada pelo ciclo fisiológico da insônia consolidada. O desconhecimento da fisiologia do sono e da compreensão dos ritmos circadianos envolvidos na gênese do ciclo vigília-sono inibe a potencial ajuda que o psicólogo tem para dar ao paciente insone. Esse desconhecimento decorre da falta de formação adequada na área do Sono. O mesmo tem sido observado nas faculdades voltadas a formação de outros profissionais de saúde de suma importância para atuação em Medicina do sono. Temos observado apenas mais recentemente, e de forma paulatina, o ensino da Medicina do Sono ser incorporado a algumas faculdades de Medicina do Brasil. Ainda é grande o número de médicos, dentistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, enfermeiros, educadores e psicólogos que passam pela faculdade sem ter tido sequer uma aula teórica a respeito da complexidade do fenômeno do sono e seus distúrbios. 

 A abordagem psicológica que se aplica nos pacientes com distúrbios do sono depende desse conhecimento. Sensibilizar e tratar as causas emocionais associadas aos sintomas ansiosos ou depressivos nem sempre repercute num ajuste imediato do padrão de sono. É preciso conhecer o sono sob a perspectiva fisiológica, diferenciar sintomas associados a diferentes distúrbios de sono, compreender a gênese do ritmo biológico para prover um ajuste do padrão de sono. Entre pessoas que sofrem com a insônia, por exemplo, é comum que a pessoa considere ter um problema neurológico que o impeça de dormir bem. Na realidade, trata-se de um conjunto de pensamentos e comportamentos adotados que consolida o sono em um padrão de insônia condicionado psicológica e fisiologicamente. Por isso, há de se conhecer a interface entre psicologia e sono para intervir de forma adequada e eficiente na abordagem não farmacológica dos transtornos do sono.

  1. Silvia Gonçalves Conway – Psicóloga Clínica pela USP, Mestre na área da Medicina do Sono pela UNIFESP. Atua na área do Sono desde 1998

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