15/10/2020
por Bianca Martins
Psicóloga do Sono
Membro da Rede AkasA

A insônia é um transtorno do sono altamente prevalente que causa danos a saúde física e mental e gera impactos à sociedade. Na interface com a área da psicologia, é bem reconhecida sua associação com sintomas de estresse, ansiedade e depressão. Mais recentemente, têm sido destacados aspectos de personalidade também associados a insônia. 

Em 1987 Spielman desenvolveu um modelo teórico da insônia  que sugere o envolvimento de três fatores no desenvolvimento da insônia: fatores predisponentes, fatores precipitantes e fatores perpetuadores. Esse modelo orientou o desenvolvimento da TCC-I (Terapia Cognitivo-Comportamental aplicada a insônia), considerada “padrão ouro” no tratamento da insônia.

Embora esse modelo seja amplamente aceito no mundo científico, orientando a intervenção sobre os fatores perpetuadores, ele não consegue explicar os fatores predisponentes no que se refere aos aspectos psicológicos. 

Pesquisas mais recentes têm identificado traços de personalidade que tornam algumas pessoas vulneráveis ao desenvolvimento da insônia como sintoma e como transtorno do sono.

O modelo de personalidade baseado nos cinco fatores (FFM), ou Big Five, é amplamente utilizado no meio científico. Está baseado em um corpo substantivo de evidências que encontraram uma solução de cinco fatores para as correlações entre características de personalidade. Os cinco traços de personalidade definidos por esse modelo são: 

Fator I: 
Extroversão/Introversão
Nível de “Atividade Social”.
Fator II: SocializaçãoTendência a ser socialmente agradável, caloroso, dócil. Alguns autores descrevem uma dimensão que envolve os aspectos mais humanos (da pessoa) – características como altruísmo, cuidado, amor, apoio emocional (em um extremo da dimensão) e hostilidade, indiferença aos outros, egoísmo e inveja.
Fator III: Escrupulosidade ou Vontade/Desejo de realizaçãoTraços ou características de personalidade que levam a responsabilidade, honestidade, ou, no outro extremo, negligência, irresponsabilidade.
Fator IV: Neuroticismo/Estabilidade EmocionalCaracterísticas de personalidade envolvendo afeto positivo e negativo, ansiedade, estabilidade emocional, etc.
Fator V: Intelecto ou Abertura para ExperiênciaPercepção que a pessoa (ou os outros) tem de sua própria inteligência ou capacidade. Engloba características como flexibilidade de pensamento, fantasia e imaginação, abertura para novas experiências e interesses culturais.

De acordo com esse modelo de cinco fatores de personalidade (FFM), o perfil de neuroticismo tem sido mais fortemente associado ao transtorno de insônia. Isso significa que pessoas com menos estabilidade emocional e mais rígidas teriam predisposição a ter insônia, especialmente quando as situações fogem do seu controle. Outras pesquisas apoiam esses achados na medida em que demonstram que os sintomas de sono insatisfatório e insônia estão associados à estabilidade emocional reduzida (tendência a ser emocionalmente reativo e experimentar emoções mais negativas) e características associadas a um perfil confiável, organizado e dedicado. 

Apesar destes achados, a base de evidências que apoia a relação entre insônia e personalidade permanece mista, com pouca consistência em relação aos traços específicos que são mais preditivos de insônia. Isso se deve a divergências metodológicas no que tange aos instrumentos utilizados e critérios de seleção da população alvo. Além disso, outros fatores psicológicos podem desempenhar relevância na predisposição e precipitação dos eventos de insônia e até na sua consolidação, para além dos perpetradores muito bem descritos na literatura e facilmente observados na prática clínica. A compreensão de como essas relações influenciam a sintomatologia da insônia e como os fatores psicológicos, para além dos aspectos comportamentais e cognitivos associados , podem mediar a sua consolidação desponta como espaço a ser explorado para melhor tratar pacientes com dificuldades de aderir ou com baixa resposta à TCC-I.


  1. Spielman, A. J; Caruso, L. S. Glovinsky, P. B (1987). A behavioral-perspective on insomnia treatment. Psychiatr Clin North Am., v. 10, p. 541-553.
  2. Dekker, K., Blanken, T., & Van Someren, E. (2017). Insomnia and Personality—A Network Approach. Brain Sciences, 7(12), 28.
  3. Akram, U., Gardani, M., Akram, A., & Allen, S. (2019). Anxiety and depression mediate the relationship between insomnia symptoms and the personality traits of conscientiousness and emotional stability. Heliyon, 5(6), e01939.
  4. Hauck, N., Machado, W. L., Teixeira, M. A., & Bandeira, D. R. (2012). Evidências de validade de marcadores reduzidos para a avaliação da personalidade no modelo dos Cinco Grandes Fatores. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 28(4), 69-76.

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